sábado, 18 de setembro de 2010

Ser ou não ser índio, eis a questão

Para fechar, com glórias, o nosso mergulho no American Way of Life, a professora da classe de ESL (English as a Second Language, ou seja, inglês para a estrageirada) propôs à sala seminários individuais com temáticas tipicamente yankees. Eu e meus coleguinhas asiáticos e europeus teríamos que apresentar assuntos como imigração, obesidade, grandes corporações, marcas e esportes americanos. Os franceses, que realmente não negam o nariz empinado, escolheram falar sobre o Mustang e o Google. A eslovaca resolveu explorar os concursos de beleza infantil, e “o absurdo que eles são”, como diria ela, que é a boneca barbie em pessoa e caberia perfeitamente num pageant. Os asiáticos pegaram temas variados, com destaque para os coreanos cool que optaram pelo movimento hippie e pop art. Agora eu pergunto: o que você acha que uma latino-americana, terceiro-mundo-defensora-dos-fracos-e-oprimidos escolheu?
É claro que a resposta é Índios. Os tão famosos nativos americanos, com suas roupas de couro, valentes caçadores de búfalos lindamente aprumados à cavalo com suas longas tranças. A minha síndrome de baixa-renda unida à necessidade de ser descolada e do contra (o que me insere na categoria de defensora do terceiro mundo, dos nativos, do meio ambiente etc etc) foi preponderante na escolha. Além de uma malandragem brasileira, é claro. Sem muita vontade de pesquisar para o seminário, pensei que seria fácil falar sobre índios pois já havia lido Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown. Essa obra de nome estranho é uma das mais importantes sobre o assunto, e conta como os nativos americanos foram massacrados pelos brancos no período em que estes se espalharam pelos EUA em busca de ouro e outras riquezas minerais.


Mas eu não contava com a astúcia da professora. Ela pediu que eu abordasse, em especial, os indígenas que viveram na região em que nos encontrávamos, no caso, Alameda County (onde a UC Berkeley fica) e adjacências. Para minha surpresa, este pedaço da Califórnia foi habitado por tribos totalmente diversas e bem diferentes da imagem genérica que fazemos (bom, ao menos eu faço) do índio americano. E eles não foram dizimados somente pelos cowboys da Corrida do Ouro, mas pelos sanguinários Espanhóis (a Califórnia foi colonizada, primeiro, por eles...ah, joga no Wiki, vai). Os Ohlones (esse é o nome dado aos índios) dividiam-se em mais de 50 tribos antes da chegada do hómi branco, e eram até parecidos com os safadins tupiniquins, andavam peladins – ao menos é o que parece, ou eu só encontrei imagens deles na coleção verão-primavera.

Ohlones (Quadro na Mission San Jose)

Ohlones (Painel em Coyote Hills)

Para fazer a pesquisa eu fui a dois lugares, a Mission San Jose e Coyote Hills, em Freemont. O primeiro é uma das igreja católicas do final do século 18 que marcaram a chegada dos primeiros brancos a Califórnia. Como no Brasil, mas alguns séculos depois, os padres espanhóis vieram “catequizar” os índios nos EUA. Outra semelhança é a catequização ter fu#%$& os nativos. Ou seja, perda de tradições, de terras e especialmente a morte por conflitos e doenças dos brancos. Logo de cara, quando os espanhóis chegaram, cerca de 80% dos Ohlones morreram. Uma coincidência sobre a dizimação dos índios no Brasil e Estados Unidos é que em ambos os países o número estimado de indígenas antes da chegada do homem branco varia de 1 a 10 milhões (variar foi gentileza ein). E hoje eles não passam de 1% da população.

Igreja da Mission San Jose, Freemont

Mas antes de serem reduzidos pelas mortes ou rebeliões, muitos dos Ohlones acabaram estabelecendo-se em ranchos, numa situação de quase escravidão. Os índios trabalhavam como “servos” para os fazendeiros nas terras que, no passado, eram deles. Exemplo disso é Coyote Hills, hoje um parque regional. O local foi habitado por Ohlones há mais de 2 mil anos, e mais tarde, tornou-se um rancho em que eles viviam como escravos. Antes mesmo da formação da baía de São Francisco, quando ainda havia terra ao invés de água (há cerca de 9 mil anos), os Ohlones já estavam por lá. Arqueologia subaquática confirmou a presença de tribos no local. Mas enfim, tirando a doença e a “escravização”, os índios que queriam voltar à antiga forma de vida e se rebelaram foram severamente massacrados pelos espanhóis.

Coyote Hills, Freemont
1º) Habitat Ohlone 2º) Ranchos Mexicanos 3º) Parque Regional
Ao final, os Ohlones sumiram do mapa, restando apenas o traço genético em pessoas e comunidades que vivem na chamada Bay Area. Os Ohlones eram hábeis construtores de canoas, de cestos (tão bem feitos que era possível carregar água), instrumentos musicais (que usavam nos rituais de xamanismo) e jogos. Toda essa cultura foi praticamente perdida. Mas parece que esse é o caminho natural da coisa. Os nativos sempre serão os bandidos exterminados ao final do filme – e da vida real. Mas porque a cultura indígena, que não pode ser taxada de melhor ou pior, “não civilizada”, não consegue resistir? Armas, germes e aço: essa seria a resposta que o escritor Jared Diamond daria do porquê os índios não estarem por cima da carne seca no lugar dos brancos. Bom, se tudo não passa de geografia e ambiente, é por isso que a sul-americana está nos Estados Unidos a apresentar uma pesquisa sobre native americans e não a situação contrária?. Vai entender...

Réplica de canoa Ohlone, feita com plantas pantanosas

Tradicional cestaria Ohlone

5 comentários:

Gustavo Delacorte disse...

Parabéns...

Tenho um colega que trabalha para uma universidade daí, fazendo algo parecido, só que aqui no Brasil. Todo ano ele vem pra cá com a missão de pesquisar a história dos americanos no Brasil, desde o início.

Mulher verde procura disse...

Mari! Entrei para matar as saudades. Seus textos estão ótimos. Fico absurdamente feliz que você tenha virado uma "esponja" de informação, isso mesmo, represente uma brasileira-terceiro-mundo que faz bom uso da massa encefálica. tenho orgulho e saudades imensas.
Mil beijos.

Cahe´s blog disse...

Estou entendendo. Você, na verdade, nasceu no Acre e o nome verdadeiro é Marina e não Mariana. Acertei?

No sul ou no norte, a história é sempre a mesma.

Viva Little Bighorn, Crazy Horse & Cia. e abaixo os invasores!
Cahe is a Blogger

A Viajante disse...

Olá Mariana, tudo bem? Queria agradecer pela visita no Foi assim:...volta mais...e eu, pelo visto vou devorar suas muito bem traçadas linhas...parabéns pelas pesquisas...aproveita bem suas viagens...fico daqui, com uma inveja boa...risos.. boa sorte!

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto sobre os índios, muito bom seu jeito de escrever.