terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dias de Carnaval


Sábado de Carnaval, e enquanto eu escuto lá fora os fogos que algum desavisado que não sabe que o Ano Novo já passou solta, ouço Ivete Sangalo. Nada mais clichê do que ouví-la. E no meu caso, serve como remédio para o sábado à noite furado. Eu poderia estar na rua, levando bexigada e spray na cara. Ouvindo as graças que as pessoas bêbadas se permitem falar. E suportando os paulistas (é, eu sei que o certo é paulistano, mas o modo errado soa bem mais como palavrão, além de permitir que eu inclua não só os cidadãos da Capital). Mas a dúvida paira no ar.

É mais clichê ainda reclamar dos paulistas. E falar como eles acham que podem fazer tudo e mais um pouco nas cidades que estão de férias. E que acreditam que se deve relevar seus excessos diante das vantagens econômicas para a cidade. Mas não dá para evitar.

Usufruir do querido bondinho - ou trenzinho para os turistas - para me deslocar nesse feriado é quase impossível. Além dos indivíduos que jogam todos os materias líquidos e sólidos - e quem sabe um dia até gasosos - contra o ônibus, há sempre a caravana da alegria na parte de dentro. É aquele grupo desafinado (seja de familiares ou jovens amigos bêbados) que não percebe que o suposto coral não precisa gritar - principalmente no ouvido do passageiro da frente – para ser plenamente realizado musicalmente.

Apesar de estar tranquila por saber que não terei de enfrentar os animadinhos na rua, bate um arrependimento. Lembro-me do dia anterior, em que saí com amigos para um roteiro alternativo ao Carnaval. Uma noite com bandas de hardcore, ou algo do tipo. A maioria do público que prestigia o evento está ali para assistir a apresentação de um grupo específico. Ou melhor, banda (grupo é coisa de pagodeiro). Nos shows das outras bandas, há uma pessoa ali, outra aqui. Na última apresentação da noite, o local fica quase que repleto. Pelos meus conhecimentos, e comentários maldosos de amigos, o vocalista é uma mistura de um filme chamado corvo com um japonês e um italiano.

As bandas são boas, e um dos bateristas literalmente se acaba no seu instrumento. Impressionante. Na banda do baterista ligado no duzentos e vinte, um dos guitarristas faz um backing vocal dos infernos. Mas apesar de gostar, penso com meus botões: será que ninguém ali dentro está pensando em axé, Bahia e Chiclete com Banana? Será que alguém está com a frase: Bebeu água! Nããão! Tá com sede? Tô! Olha, olha, água minera... na cabeça? Aposto que depois de beberem umas cervejas, metade daquela tribo já teve um dia de cantar música perniciosa bahiana e cair na folia fingindo que é normal, e que isso faz parte de fim de noite. É moda ser brega, e aceitar o brega. E é Carnaval. Sinônimo de “vale tudo”.

E após analisar prós e contras, decido não quebrar o ritual anual de ir a um clube “cair na folia”. Uma associação convida todos os anos a mesma banda de carnaval para animar os foliões associados e os não-associados (lê-se povão, incluindo-me). O grupo possui vasto repertório de pop-axé-marchinha-sambismo, mas que com muita dificuldade recebe inserções de novas canções a cada ano. Apesar da música mais recente ser A pipa do vovô não sobe mais, divirto-me.

É gostoso observar as figuras que estão ali numa plena e pura felicidade, além de sentir o sangue olodumzeiro que surge pulsante nas veias com as batidas do atabaque. Meninos dançam juntos e despreocupados, parecendo esquecer do objetivo maior de pegar garotas e mostrar a masculinidade ao grupo, ou mesmo beber. E mesmo que tenha de enfrentar, enquanto volto a pé para casa, os dez carros que possivelmente vão parar para fazer um comentário desnecessário, eu prefiro sair. Não posso deixar de cantar, como todos os anos, no Carnaval: - Choraaaaaaa, não vou ligar, não vou ligaaaar, chegou a horaaaa ...