quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Afroamericanos na Terra do Carvalho

Esperando na fila para ser atendida na secretaria de uma faculdade, observo a moça que, de acordo com a ideia geral, representa bem a cidade onde estou. Ela, provavelmente, alcança os dois metros de altura e uns 100 quilos. Ou melhor, cerca de 220 pounds. Isso não significa, necessariamente, que ela é gorda. Ela está acima do peso sim, mas suas libras são distribuidas em especial às duas áreas mais apreciadas pelo sexo oposto. Na verdade, não é a massa corporal que a define como habitante de Oakland, Califórnia, mas sim a cor da pele – ela é negra.

A necessidade de destacar quantos quilos e metros a afroamericana tinha não foi em vão. Nesse pouco tempo que estou aqui, uma coisa posso afirmar: as afroamericanas impõem respeito! Elas são grandes, altas, usam roupas diferentes e possuem uma linguagem e modo de falar diverso dos demais americanos. Eu adoro ouví-las conversando quando estou no metro. Eu finjo ouvir alguma música no ipod, mas na verdade estou gansando a fofoca alheia. Às vezes elas nem estão brigando ou reclamando que “se aquele homem acha que vai fazer isso comigo, ele não sabe onde se meteu!” - vamos dizer que minha tradução foi light -, mas mesmo assim, o tom de voz delas é intimidador, naquele jeitinho cantado dos sulistas.



Após sair e andar pela faculdade, percebi que boa parte dos alunos que eu via eram afroamericanos. Eu, sempre de espírito covarde que estava mais para perder o pirulito do que roubá-lo na escola, passava entre as black girls bem quieta na minha. Isso pode até soar como racismo, mas na verdade o medo não é pela cor da pele, mas é que elas impõem respeito mesmo. Aliás, como dizem aqui, as negras americanas não gostam quando as mulheres brancas interessam-se pelos afroamericanos, o que é muito comum aqui – e totalmente compreensível, porque eles são um espetáculo!

Entretanto, como no Brasil, é perceptível a ligação que se faz entre criminalidade e as comunidades pobres, ou as minorias, usando a terminologia EUA. Sempre que algum americano quer me dizer que aquele bairro ou local é mais perigoso, ou que alguém é maloqueiro, ele usa a expressão “guetto”. Ou seja, gueto, favela, o lugar onde os mais pobres moram. Aliás, sendo brasileiro tem que se tomar muito cuidado, já que se você diz “preto” é racismo, e negro é o certo. Já aqui “neggar” é errado, mas black people é certo, ou melhor africanamerican. Mas existem as excessões. No Brasil é normal você dizer “pretinha”, “preta”, de um jeito carinhoso. Se até a Preta Gil tem esse nome e o Beto Barbosa faz letra de música, ué. Aqui os negros também falam muito “neggar”, mas entre si. Ou seja, é como no Brasil, depende de quem fala e como usa a palavra.



Em Oakland os negros compõem boa parte da população - enquanto nos Estados Unidos em geral eles são 12,5%, aqui são cerca de 30%. Entretanto, existem outras “grandes minorias”, como os imigrantes filipinos, vietnamitas, mexicanos, chineses... que aliás, estão em todo os EUA. Oakland é considerada uma cidade mais perigosa, mas não por causa dos negros e das minorias, mas pela condição da Cidade, pela pobreza – principalmente após a crise econômica. No Brasil, as favelas e os problemas sociais se ligam mais aos negros não pela cor da pele, mas pela origem escrava, pela falta de estrutura e oportunidade – situação similar as minorias americanas.

Apesar das similaridades, é claro que aqui as etnias são muito fechadas e levam o racismo mais a sério do que no Brasil. Há algumas semanas houve o julgamento de um agente do metro que matou, “acidentalmente”, um garoto chamado Oscar Grant em uma estação de Oakland na passagem do ano. O agente alegou que ao invés de pegar o aparelho de choque, pegou a arma – os agentes estavam “contendo” uma confusão no local. O caso provocou grandes protestos, e até vandalismo. A comunidade de Oakland acusou o pocial de racista.

No dia do julgamento não pude usar o metro porque eu passava todos os dias pela estação que houve o assassinato, e a expectativa era de que aconteceriam mais protestos (e vandalismo), pois o agente foi condenado por crime culposo. Vi dezenas de viaturas passando na estrada em direção ao possível local de protestos. No final, não houve nenhum ato de violência, apenas manisfestações pacíficas. No entanto, uma coisa ficou clara: os afroamericanos não levam desaforo para casa.

Coincidentemente, no mesmo dia em que fui a Oakland, pude entender o porquê dessa tradição protestante dos afroamericanos de lá. Mais tarde, em casa, passava um filme na TV intitulado “Panthers”. O que me chamou atenção no começo era a Cidade onde se passava a história: Oakland. Comecei a assistir, e aí descobri que o longa contava a história dos “Panteras Negras”. Eu, ignorante, nem imaginava que o grupo que se espalhou pelos Estados Unidos na década de 60 e que utilizava “políticas radicais” em defesa dos afroamericanos tinha se originado lá.


Huey Neston e Bobby Black

Mais tarde, acabo por descobrir que os fundadores do Partido, Huey Newton e Bobby Seale, estudaram na Faculdade que eu cursaria aulas de ESL. Apesar de terem sido revolucionários, os Panteras ainda são vistos de forma negativa por parte dos americanos, por terem agido como um grupo “guerrilheiro” e radical. Apesar de toda a controvérsia em relação a Oakland e da ideia “guetto” que muitos fazem da Cidade, é inegável a interessante historia da “Terra do Carvalho” e sua beleza, com as suas velhas casinhas vitorianas, sua cara cosmopolita, seu cais (George Lucas teria se inspirado nas gruas do porto de Oakland para fazer os robôs de Star Wars) e a linda Jack London Square (sim, o famoso e aventureiro escritor era de Oakland). Pena que eu vou estudar na unidade da escola que fica em Berkeley, outra cidade com muuuita história...

Vista do Lake Merritt, Oakland