domingo, 27 de janeiro de 2008

Um passeio de bicicleta


Itanhaém. A namorada do sol?, a pedra que canta?. Já sei: lugar em que os hippies sempre estão sentados nas calçadas vendendo bijus, seja na temporada ou fora dela. Na primeira vez, você imagina: “Esse cara deve ter muito história para contar, muita estrada”. Na segunda: “Bom, ele deve gostar mesmo da cidade”. Na terceira: “Ele nasceu aqui e nunca saiu destes limites, a não ser para comprar matéria prima na 25 de março”.


Que tal uma volta de bicicleta?. Pego a bike e sigo pela Avenida Rui Barbosa. Após dez, quinze minutos, dou de encontro com a praça. Contorno e vejo os velhinhos que, faça chuva ou faça sol, batem ponto para jogar dominó. Antes da última reforma na praça central, o quiosque do ponto de táxi era a casa de jogatina da terceira idade itanhaense. Agora os velhinhos já estão instalados em novo local: um coreto bem no meio do calçadão - e que demorou uns 70 meses para ser concluído.


A praça Narciso de Andrade é versátil. É também ponto de encontro da “noitada” jovem itanhaense. Lembro-me dos incontáveis finais de semana que ali passei e continuo a passar. Todo mundo reclama, discute sobre como nunca há nenhuma opção de lazer na Cidade, mas ninguém larga o hábito de conversar na pracinha com as mesmas pessoas, ver as mesmas pessoas – porque você conhece todo mundo, mesmo que seja de vista -, e reclamar das mesmas coisas. Não é um hábito, é realmente uma tradição, costume. Por mais que abra uma balada nova (e feche depois de dois meses) todo mundo, ou melhor, toda Itanhaém dá uma passadinha ali, na pracinha.


Desço a ladeira, e lá está o artista que agora, nos finais de ano, esculpe em areia um presépio em tamanho natural. Dou uma olhada e sigo em frente. Um pouco antes da ponte, penso por que lado seguir. Vou pelo caminho maior, da Praia do Sonho, mas mais seguro e com uma vista linda, ou corto pelo morro? Fico com o morro.


Começo a pedalar com força, em pé na bike, para conseguir subir a ponte sem sair da bicicleta. Quando alcanço o meio, a vista vale a pena. Vejo o rio Itanhaém, a denominada “Amazônia Paulista” dos catálogos puxa-saco de turismo. Observo a bonita sinuosidade do rio, o manguezal no seu entorno. Pais e filhos pescam na passagem construída paralelamente à ponte, onde fica a linha férrea inutilizada. A descida da ponte facilita a minha vida. Sento na bicicleta e só espero a gravidade fazer a sua parte. Logo ao final da linha férrea um grande aviso com algo do tipo: “Proibido pescar neste local, lei número ...”.


Logo após a descida, começa um enorme aclive que me obriga a sair da bicicleta. Nesta faixa de pista o morro fica de uma lado e a vista para o manguezal do outro. Com a umidade dos dois lados, nos dias de calor dá para sentir um mormaço gostoso, combinado com um cheiro de terra molhada dos dias de chuva. Sigo em direção ao bairro Belas Artes. B.A. para os mais íntimos.


Corto pela rua da feira e, de repente, ouço música. É a banda marcial de Itanhaém. Entro no local de ensaios, sento-me e escuto. Pessoas de idade, comportamento e estilos diferentes. A garotada da percussão é super versátil, troca de instrumento a cada música. Todos sabem tocar tudo. A banda possui integrantes que estão lá há mais de 20 anos. E também alguns que estão há meses, como um garotinho de nove anos que já manda muito bem na percussão. Gordinhos, magrinhos, introvertidos, extrovertidos.


Noto uma mulher sentada, com um braço engessado, a quem todos cumprimentam. Ela não é da banda, mas há um ano reserva seu sábado à noite para assistir os ensaios. A professora de geografia, que se mudou de Guarulhos para Itanhaém, sabe todo o repertório. Me explica tudo e fala das pessoas dali como se fossem seus filhos. Ela gostaria de participar da banda, mas como já fez duas cirurgias nos braços pelos anos e anos escrevendo na lousa, só pode assistir e esperar. Ela levou um menino, vizinho seu, para tocar na banda. Apesar de morar na Cidade desde que nasceu, o garoto nunca tinha ouvido falar do grupo de música. Ele adora estar ali e é muito aplicado. A professora conta com orgulho como o jovem está se saindo bem.


Pessoas tão diferentes por fora, mas com um interesse em comum: fazer boa música. Nos intervalos dos ensaios, cada um comporta-se de maneira diferente. Uns conversam, outros brincam ou concentram-se. Mas no momento certo, todos parecem um só, e levam a coisa muito à sério.


Tanta gente diferente, e às vezes, apesar de não saber porquê, me sinto muito incluída nessa Cidade. Posso ver os mesmos lugares sempre, mas não me canso. Olho a Praia dos Sonhos, vou no Savoy, no Suarão, no Belas Artes ou no Gaivota e há sempre algo novo a descobrir. E algo velho a me apegar. Quando estou em Itanhaém, sinto vontade de reclamar, mas ai de quem não mora lá dizer alguma coisa. É, eu adoro a minha cidade.