quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Etiópia, Mianmar e estereótipos

Há cerca de três anos eu postei neste blog uma nota intitulada “Por uma Birmânia Livre”. Apesar de ter participado da tal corrente da Internet que pregava apoio à revolução pacifista na Birmânia - também conhecida pelo nome de Mianmar -, eu não tinha a mínima ideia do que estava fazendo. Nunca havia ouvido falar sobre a nação ou lido sobre os problemas sociais e políticos; apenas quis dar uma de cool na condição de pseudo-estudante-de-jornalismo-socialista-comunista. Portando tal codinome eu deveria estar sintonizada com esses tipos de “assunto” que ninguém nunca discutiria numa conversa de bar, só pra exercer minha função de informada – mesmo que muito má e porcamente.
Afinal, ninguém iria me questionar sobre o tal paisíco ao sul da Ásia. O post foi apagado da minha memória até que há algumas semanas atrás, no primeiro dia de aula de ESL de Vocabulários e Expressões, ele me veio à cabeça. Entre os diversos colegas de sala que venho tendo a oportunidade de conhecer, eis que um gordinho, que a mim parecia a perfeita encarnação de Buda, faz a revelação bombástica: ele é birmanês.


A revelação ocorre porque o professor, com seu jeitinho americano à lá Charles Chaplin, decide começar a aula com uma brincadeira: adivinhar o país de origem dos alunos. Após sair-se bem na diferenciação do bloco de muçulmanos, chutando certo entre os colegas do Irã, Iêmen, Omã, Turquia, Marrocos e Paquistão (vacilando apenas na muçulmana que vinha do Sudão), o professor hesita no rosto do birmanês, já que havia esgotado todas as possibilidades asiáticas. O rosto redondo do Buda, que me lembrava a imagem dos povos da Mongólia, tornou-se um desafio. O professor já havia diferenciado os chineses dos sul-coreanos e japoneses, e conseguia discernir com facilidade a diferença entre os colegas do Nepal, Filipinas, Camboja, Vietnã, Tailândia e Laos.
Quando chegou a minha vez, a minha cara latina (?) fez com que ele chutasse Colômbia. Mas voltando ao birmanês, eu fiquei intrigada, e não perdi a oportunidade de perguntar se ele havia ouvido falar da corrente na Internet sobre Mianmar. Ele me respondia tudo com a monossílaba "sim". Ao final, quando eu perguntei o que ele achava do apoio, ele respondeu - num tom de desabafo com leve irritação: “Quem está no Governo não é bom, mas a oposição também não é”. Sem querer testar a paciência do mais novo colega, resolvi deixar para mais tarde as milhares de perguntas que rolavam na minha cabeça, já que nesse meio tempo de convivência com o multiculturalismo americano aprendi que a minha conduta latino-americana não combina, inicialmente, com a reserva oriental e/ou muçulmana.

Budismo é a religião oficial em Mianmar

Outra coisa que aprendi é: não compactue com estereótipos. Outro dia, numa conversa com um garoto da Etiópia, descobri que neste país a língua oficial chama-se Amharik (Amárico em português). O idioma é de origem africana porque a Etiópia foi uma das únicas nações africanas que não sofreu colonização europeia. Meu colega etiopiano disse que houve uma curta ocupação italiana, mas o exército nacional conseguiu expulsá-la. No entanto, existem muitos muçulmanos no país, tanto que o “Oi” deles é o “Salam” arábico. Mas todos vivem em perfeita harmonia.
É claro que essa historia não colou de inicio. Se eu comentava a minha conversa sobre a  Etiópia com alguém, sempre me respondiam com certeza que “Eles já foram conquistados por outros povos, sim. Se tudo é lindo desse jeito porque toda aquela pobreza? Então porque ele está aqui?”. No entanto, quando eu fui pesquisar sobre a Etiópia, não é que era tudo verdade mesmo?. “Mas e a pobreza?”, pergunto ao etíope Tomas. “Ah, o problema é o Governo. La você só consegue um emprego se estiver envolvido com o partido e concordar com ele”. Bom, ao menos a história de culpar os europeus imperialistas (que eu sempre usava pra irritar a minha avó portuguesa) não vai funcionar na Etiópia.
Mas mesmo assim, porque é que a gente sempre tem que olhar pelo lado problemático?. Tomas não tinha muitos problemas na Etiópia, sua vida era a de um cidadão talvez “classe-média”. É claro que veio aos EUA por oportunidades melhores, e principalmente, por causa de parentes que aqui estão – o que não o difere de qualquer brasileiro que vem para cá. É logico que os problemas existem, o povo sofre com a fome e miséria (como você pode confirmar jogando Etiópia no Google Imagens), mas também se deve olhar por outras perspectivas.

Celebração religiosa na capital da Etiópia, Adis-Abeba
(a maior parte da população é cristã, da Igreja Ortodoxa Etíope)

Olhar por outras perspectivas é o que propõe a escritora nigeriana Chimamanda Adichie, neste brilhante discurso chamado “O perigo de uma única história”. Se você só ouvir um lado da história, ela tende a ser parcial, numa única versão – o que muito ouvi na minha época de pseudo-estudante-de-jornalismo-socialista-comunista. Mas é claro que eu não posso deixar de pensar que esses dois colegas também estão dando suas visões da história, mas eu não acredito também que eles sejam os únicos de seus países na mesma situação – e modo de pensar.
Recentemente fiz um curso de verão em uma grande universidade, onde os estudantes estrangeiros eram ricos, vindos não só da Ásia como também da Europa. Agora, na nova faculdade o cenário é diferente. O curso, semestral, requer um longo tempo de estadia aqui, então os alunos não são meros turistas, mas imigrantes. Alguns tinham uma vida boa em seus países de origem; portanto, possuem condições de bancar um curso na Gringa. Por outro lado, muitos vieram em busca de uma oportunidade melhor e trabalham duro para sobreviver e estudar. No entanto, isso não significa que eles tem de deixar toda a bagagem cultural para trás só para não sustentarem a ideia de que estariam cuspindo no prato que comeram. Como diria Adichie, o estereótipo não precisa ser algo totalmente irreal, mas é uma visão singular e restrita do plano geral.

sábado, 18 de setembro de 2010

Ser ou não ser índio, eis a questão

Para fechar, com glórias, o nosso mergulho no American Way of Life, a professora da classe de ESL (English as a Second Language, ou seja, inglês para a estrageirada) propôs à sala seminários individuais com temáticas tipicamente yankees. Eu e meus coleguinhas asiáticos e europeus teríamos que apresentar assuntos como imigração, obesidade, grandes corporações, marcas e esportes americanos. Os franceses, que realmente não negam o nariz empinado, escolheram falar sobre o Mustang e o Google. A eslovaca resolveu explorar os concursos de beleza infantil, e “o absurdo que eles são”, como diria ela, que é a boneca barbie em pessoa e caberia perfeitamente num pageant. Os asiáticos pegaram temas variados, com destaque para os coreanos cool que optaram pelo movimento hippie e pop art. Agora eu pergunto: o que você acha que uma latino-americana, terceiro-mundo-defensora-dos-fracos-e-oprimidos escolheu?
É claro que a resposta é Índios. Os tão famosos nativos americanos, com suas roupas de couro, valentes caçadores de búfalos lindamente aprumados à cavalo com suas longas tranças. A minha síndrome de baixa-renda unida à necessidade de ser descolada e do contra (o que me insere na categoria de defensora do terceiro mundo, dos nativos, do meio ambiente etc etc) foi preponderante na escolha. Além de uma malandragem brasileira, é claro. Sem muita vontade de pesquisar para o seminário, pensei que seria fácil falar sobre índios pois já havia lido Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown. Essa obra de nome estranho é uma das mais importantes sobre o assunto, e conta como os nativos americanos foram massacrados pelos brancos no período em que estes se espalharam pelos EUA em busca de ouro e outras riquezas minerais.


Mas eu não contava com a astúcia da professora. Ela pediu que eu abordasse, em especial, os indígenas que viveram na região em que nos encontrávamos, no caso, Alameda County (onde a UC Berkeley fica) e adjacências. Para minha surpresa, este pedaço da Califórnia foi habitado por tribos totalmente diversas e bem diferentes da imagem genérica que fazemos (bom, ao menos eu faço) do índio americano. E eles não foram dizimados somente pelos cowboys da Corrida do Ouro, mas pelos sanguinários Espanhóis (a Califórnia foi colonizada, primeiro, por eles...ah, joga no Wiki, vai). Os Ohlones (esse é o nome dado aos índios) dividiam-se em mais de 50 tribos antes da chegada do hómi branco, e eram até parecidos com os safadins tupiniquins, andavam peladins – ao menos é o que parece, ou eu só encontrei imagens deles na coleção verão-primavera.

Ohlones (Quadro na Mission San Jose)

Ohlones (Painel em Coyote Hills)

Para fazer a pesquisa eu fui a dois lugares, a Mission San Jose e Coyote Hills, em Freemont. O primeiro é uma das igreja católicas do final do século 18 que marcaram a chegada dos primeiros brancos a Califórnia. Como no Brasil, mas alguns séculos depois, os padres espanhóis vieram “catequizar” os índios nos EUA. Outra semelhança é a catequização ter fu#%$& os nativos. Ou seja, perda de tradições, de terras e especialmente a morte por conflitos e doenças dos brancos. Logo de cara, quando os espanhóis chegaram, cerca de 80% dos Ohlones morreram. Uma coincidência sobre a dizimação dos índios no Brasil e Estados Unidos é que em ambos os países o número estimado de indígenas antes da chegada do homem branco varia de 1 a 10 milhões (variar foi gentileza ein). E hoje eles não passam de 1% da população.

Igreja da Mission San Jose, Freemont

Mas antes de serem reduzidos pelas mortes ou rebeliões, muitos dos Ohlones acabaram estabelecendo-se em ranchos, numa situação de quase escravidão. Os índios trabalhavam como “servos” para os fazendeiros nas terras que, no passado, eram deles. Exemplo disso é Coyote Hills, hoje um parque regional. O local foi habitado por Ohlones há mais de 2 mil anos, e mais tarde, tornou-se um rancho em que eles viviam como escravos. Antes mesmo da formação da baía de São Francisco, quando ainda havia terra ao invés de água (há cerca de 9 mil anos), os Ohlones já estavam por lá. Arqueologia subaquática confirmou a presença de tribos no local. Mas enfim, tirando a doença e a “escravização”, os índios que queriam voltar à antiga forma de vida e se rebelaram foram severamente massacrados pelos espanhóis.

Coyote Hills, Freemont
1º) Habitat Ohlone 2º) Ranchos Mexicanos 3º) Parque Regional
Ao final, os Ohlones sumiram do mapa, restando apenas o traço genético em pessoas e comunidades que vivem na chamada Bay Area. Os Ohlones eram hábeis construtores de canoas, de cestos (tão bem feitos que era possível carregar água), instrumentos musicais (que usavam nos rituais de xamanismo) e jogos. Toda essa cultura foi praticamente perdida. Mas parece que esse é o caminho natural da coisa. Os nativos sempre serão os bandidos exterminados ao final do filme – e da vida real. Mas porque a cultura indígena, que não pode ser taxada de melhor ou pior, “não civilizada”, não consegue resistir? Armas, germes e aço: essa seria a resposta que o escritor Jared Diamond daria do porquê os índios não estarem por cima da carne seca no lugar dos brancos. Bom, se tudo não passa de geografia e ambiente, é por isso que a sul-americana está nos Estados Unidos a apresentar uma pesquisa sobre native americans e não a situação contrária?. Vai entender...

Réplica de canoa Ohlone, feita com plantas pantanosas

Tradicional cestaria Ohlone

terça-feira, 14 de setembro de 2010

De abobrinhas à paz

Estados Unidos. Slogan que pede poder ao pacifismo. Música. Cheiro forte de maconha no ar. Milhares de pessoas em um gramado que começa a se tornar lama. Roupa coloridas e diferentes, centenas de dreadlocks loiros. Não se trata de Woodstock, pois eu estava lá, na fatídica data de 11 de setembro de 2010. Os milhares de cobertores e cangas estendidos no gramado formam um belo mosaico entre as gigantescas árvores, no meio do Golden Gate Park, em São Francisco.




Antes de virar um formigueiro.

A cidade e suas belas casinhas vitorianas receberam o Festival “Power to the Peaceful”. Uma celebração à paz na cidade que é conhecida por ser a vanguarda dos EUA quando o assunto é direito dos gays, ambientalismo e tudo o que soa politicamente correto. Nada mais São Francisco do que um evento como esses, com música, comida e tendas das mais variadas: clínicas de marijuana, Ongs, grupos em busca de um sistema educacional melhor, marcas “hippies” e “hemp”, tendas de “brazilian yoga”, massagem e filiações ao Panteras Negras. O espaço é livre, e as manifestações são das mais diferentes: de um lado, a marcha dos que pedem pela “verdade do 11 de setembro” – sim, eles acreditam numa teoria da conspiração em que tudo não passou de armação yankee -, do outro, homens de tapa sexo dançando, mulheres de perna de pau desfilando, novos-hippies girando bambolês e praticantes de parkour se esborrachando no chão.



Começando a ficar cheio de gente - e de lama

Parkour

Eu nunca tinha visto tanta camiseta do Bob Marley por metro quadrado. Aliás, essa fixação pelo Bob na Califórnia é impressionante – para não dizer outra coisa. Existiam sim as camisas “Let it be”, “Legalize” e indianas, mas sem dúvida, a estampa do jamaicano é a moda. As bandas animam o formigueiro humano que é o Festival, e que se compara a uma Virada Cultural em Sampa. Aliás, com a marofa, se enquadraria, mais especificamente, no show do Marcelo D2 na Virada.


Show do Rebelution!!

Tudo pode soar irresponsável e juvenil, mas a coisa é americanamente organizada. Espaço com brinquedos e atrações para as crianças, e uma área, bem à frente do palco, para os deficientes auditivos. Os hippies-surdos e de pé descalços sentem a batida do baixo e da bateria enquanto observam a mulher, que ao canto esquerdo do palco, os transmite em língua de sinais cada verso das canções. Ah, e bebida, só com a devida fitinha no braço que te qualifica como maior de idade, e mesmo assim só liberada até às quatro da tarde.

Mas como jovem que em qualquer lugar do mundo não é bobo nem nada, os americanos utilizam-se do que no Brasil leva a alcunha de farofa de praia. Levam suas caixas térmicas com toda a munição necessária para uma boa alimentação e pileque.

Já chapado - no sentido que você preferir.


Olha o palco lá além, como diria minha bisavó.

Festivais são o point, a balada – a noite não é tão importante assim. O que não falta é um todo mês, ou até semana. É Festival para celebrar e divulgar a arte local, é música, é dança, e até para comemorar a existência de um vegetal. Outro dia fui ao já tradicional “Zucchini Festival”, de Hayward. Sim, existe um evento que enaltece a enorme importância da abobrinha no mundo. Com o suporte comum de qualquer festival americano – música, atividades físicas, arte e milhares de barracas que não tem relação nenhuma -, o Zucchini Festival tinha, é claro, muito zucchini. Era abobrinha frita, assada, no doce, no pão, no sorvete... e olha que abobrinha é a coisa mais sem graça do mundo. É, qualquer coisa é desculpa para promover uma festa.