domingo, 14 de março de 2010

A arte de ser boazuda

Certo dia, em meio a um passeio noturno, sentei-me com um grupo de amigas num banco. Enquanto observávamos o movimento dos jovens-baladeiros, em busca da tão necessária socialização, deu-se o seguinte comentário:

- Nossa, olha a calça daquela fulana. Coragem! (em tom de desprezo).

A fulana em questão, que atravessava a rua com uma cerveja na mão, estava vestida com uma calça à lá Zezé Di Camargo & Luciano, que define-se por um couro plástico, preto e reluzente, extremamente colado ao corpo, o que conferia, ao mesmo tempo, uma vulgaridade total, como se a moçoila estivesse nua (se olhada do ponto de vista moralista ou dor-de-cutuvelístico feminino), e sexy (se olhado pelos homens – grande descoberta!).

Enquanto algumas discutiam a indiscrição da moça, uma das amigas, querendo mostrar-se superior e sábia na conversa (ou talvez cínica?) fez a seguinte colocação:

- Não acho nada disso. Se eu fosse ela, usaria mesmo, se tivesse aquele corpo. Afinal, somos apenas seres com a função reprodutiva, e ela, como membro do sexo feminino, está desempenhando o seu papel, que é dos mais básicos para a sobrevivência da espécie, pois está à procura do macho mais forte e capacitado para a cópula.



O comentário gerou risadas, e foi interpretado por sarcasmo. Mas a dona da teoria seguiu em defesa ferrenha, e após algumas trocas de opinião, uma das amigas disse conhecer a boazuda da calça plástica, afirmando que ela seria “uma porta”. Mesmo assim, a cínica explicou que ela não precisava de inteligência, pois com sua beleza já possuia tudo o que é necessário para o manejo de seu bem-estar. “Se fosse ela eu agiria igual, sairia por aí, curtiria a vida e não faria mais nada. Pra quê me preocupar em explorar o intelecto? Não teria a menor função prática. Qualquer uma que nascer com um corpo daqueles, naturalmente, penderia a ocupar mais o dia com os conceitos estéticos da vida”. Ou seja – é melhor ser potranca do que intelectual.

A afirmativa bombástica é tomada como preconceituosa, por criar os esteriótipos de ‘boazuda burra’ e ‘nerds feia’, levando minhas amigas à afirmarem que eu (a cínica em questão, tive que me revelar) estaria vendo muito blockbuster teen na TV. Além de gerar duas perguntas: 1. É melhor ser bonitona do que inteligente? 2. Eu estava querendo dizer com aquela lenga-lenga que eu e minhas amigas somos barangas!?! Uma das amigas sentiu-se ofendida, mas entretida, enquanto outra acreditou que eu precisaria ir num psicólogo porque não teria autoestima.

Algumas semanas depois do causo em questão, fui relembrá-lo durante uma aula de História da Arte na faculdade, em que o conceito de arte foi definido pela junção de três coisas: o homem, a cultura/sociedade e o belo. Como afirmou o professor, a palavra belo geraria muitas significações, questões subjetivas, mas sem dúvidas, o Belo pode se tornar Feio com a moral. Ou seja, a calça era sexy dependendo de quem a via. Com minha mente desocupada, acabei chegando a conclusão que tudo não passava de arte. Já que, segundo um conceito posto na lousa, “A arte é a criação (algo novo no universo – a boazuda) de uma forma (união de duas ou mais partes em harmonia – a calça e a bunda da mulé) expressiva (algo que comunica/linguagem – necessidade de cópula-transa-reprodução)”.


Coincidentemente, dias após a aula, comecei a ler “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, e eis que nas primeiras páginas o personagem Lorde Henry diz:

- “Mas a beleza, a verdadeira beleza acaba onde começa a expressão intelectual. A intelectualidade é em si mesma um modo de exagero e destrói a harmonia de qualquer rosto. Desde o momento em que alguém se senta para pensar, torna-se todo nariz, ou todo fronte ou alguma outra coisa assim horrenda. Repare nos homens que triunfaram nas profissões intelectuais. Como são, de fato, hediondos! [...]”.

 Oscar Wilde

O diálogo fez-me lembrar de algumas pesquisas de revistas, com aqueles “perfis psicológicos”, em que o gordo-feio-quatro-olhos é inteligente e dedicado aos estudos por não ter opção de vida social ativa, e o belo é tão cheio de “atividades” que acaba por não se dedicar muito aos estudos. No prefácio do livro, fica claro a ideia da importância do culto ao belo, quando Oscar Wilde diz: “Os que encontram significações feias em coisas belas são corruptos sem ser encantadores. Isto é um defeito. Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para estes há esperança. Existem os eleitos, para os quais as coisas belas significam unicamente Beleza.”

Empolgada na leitura, começo a notar que todas as teorias do tal personagem Lorde Henry pregam o puro hedonismo, a satisfação dos desejos pessoais a qualquer custo, tudo permeado por uma dita “sinceridade” sem nenhuma moral limitadora.

Para resumir, em “O Retrato de Dorian Gray”, Lorde Henry é tido como sarcástico (e talvez perverso), mas de figura interessante, e acaba por influenciar o jovem e belo Dorian Gray a por em prática todas as suas teorias. Dorian começa a viver para o prazer, e enquanto seu quadro envelhece, ele permanece sempre gatão. Mas, por fim, a obra broxou minha pseudo-tese. Enquanto no livro todo a ideia do hedonismo e do culto à beleza se revela possível, o final (para mim) foi previsível e moralista.


Ao ler o prefácio e a pequena biografia do autor Oscar Wilde, eu acabo por concluir que todas as teses do Lorde Henry são as opiniões que o escritor deveria ter sobre esse culto ao belo e suas vontades mais profundas coibidas pela sociedade. Enquanto todos os personagens revelam fraquezas e incertezas, Lorde Henry é o único inabalável, impenetrável. Talvez ele seja o próprio Wilde, em uma máscara, já que é difícil falar mal de si mesmo.

Na versão cinematográfica de 2009, Henry é colocado com fraquezas, o que me agradou mais, se é para acabar pregando o moralismo. E por fim, eis que caio na já maldita história que me parece perseguir, a única crença e certeza que minha identidade pós-moderna-perdida me permite afirmar: tudo é relativo, depende do ponto de vista, gosto é que nem cú, cada um tem o seu, a potranca à lá sertanejo pode ser bonita para você, mas não para mim, Dorian Gray era um imbecil etc etc...

9 comentários:

Coração Melão disse...

Marii, esse post esta perfeito. hahaa
Quem diria que uma noite sentadas em um banco da praça daria esta grande discussão.
besos

Anônimo disse...

Ágatha aqui o/
Gostei do texto e dos trechos do livro x] E em relação a calça, eu acho linda :x usaria fácil com um vestido.
x*

Suzan disse...

Não sei por que mas desde o primeiro comentário tive uma ligeira desconfiança de quem seria essa cínica...rs

Logo te passo o link do blog que ainda está na ideia mas que pode sair em breve, ok?

Bisous ma chérie!

Cahe´s blog disse...

Vou ser sincero: se fosse pra vir mulher neste mundão, queria ser bonita, gostosa, safada e sem vergonha e NUNCA iria trabalhar.

Machismo? Sei lá, mas dá para notar que, bbbzando, aqui mais vale ser uma Cacau que uma Elenita.

Por que o homem pode ser galinha e a mulher não?
Por que o homem galinha é garanhão e a mulher galinha é puta?

Eta mundão machista!

Abraços
Cahe is a Blogger

Ton Grunge disse...

Oi... é eu!!!
Viu, muito loko seu blog... você deve ter mó trabalho pra escrever esses textos muito bem elaborados né? Também, jornalista, quer uquê né?
Parabéns...

P.s: Viu... qual o nome daquela sua amiga, acho que é japonesa, coreana, chinesa... sei la? Ela é da sua sala?


Graze Mille!!!

Té otro dia no ponto de busão ou no banco do busão!!!

Unknown disse...

Mas, no fim Dorian Gray era belo! Aliais Dorian é um nome lindo também...

Você escreve muito bem Mari!
Vamos fazer um Zine?

Anônimo disse...

PQP, contou o livro que eu acabei de comprar, contou o filme que eu quero ver, você desgraçou a minha vida!

Leandro Olimpio disse...

"Os homens feios ou supostamente feios, como nós, costumam ganhar a vida - e quiçá as fêmeas - por pontos, jamais por nocaute, como ocorre aos fortes e óbvios bonitões da praça" - Xico Sá

Cada vez mais me identifico com a sensação de que por falta de musculos e um belo rosto, a vida se torna muito mais penosa...rs

Luªna Sales disse...

Aha...
adorei mari' prefiro o intelecto do que as bumbas caidas de amanhã; porq o conhecimento é gerado dia a dia e se leva pro resto da vida e repassado também; mas a bunda* grande, formosa, "a gostosa" só é uma vez! o máximo que vai conseguir é levar suas celulites com sigo até sua velhice, burra e ignorante,talvez tenha sorte se tiver ganho algo r$ com sua "belezura"...Aaaahhh não tem jeito, sou feminista, ante biscates e defensora da beleza culta ;)