terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ateu não-praticante

Lendo a Revista da Semana, me deparo com a seguinte capa: “Por que acreditar em Deus? - Os novos ateus se organizam, assumem posições radicais e crêem que um mundo sem religião é possível”. A matéria comenta uma campanha ateísta que está fazendo sucesso em Londres. Uma jornalista, sentindo-se ultrajada com slogans religiosos em ônibus, resolveu não dar a outra face (é claro) e revidou arrecadando uma quantia de 375 mil reais para também colocar propagandas, mas com a frase “ Provavelmente, Deus não existe. Agora, pare de se preocupar e curta a vida”.

Sempre tive dificuldades com essa história de religião. Já passei por diversas fases. Meu primeiro teste de fé aconteceu aos sete anos. Minha avó, portuguesa (= católica), e por tabela, minha mãe, também católica, propôs que eu e meu irmão frequentássemos a tal da catequese. A idéia não deu muito certo, pois assim que ficou claro que eu não poderia ir para a casa da minha avó, na praia, aos sábados, desisti imediatamente. Minha mãe, já nem tanto fervorosa, concordou.

Mais tarde, na adolescência, rezava um pai nosso aqui e uma ave maria ali, divida entre a própria crença e a vontade de acompanhar a minha vó em tudo o que ela fazia. No ensino médio, na hora do aperto, uma oração não fazia mal, e tirar a vassoura da bruxinha de biscuit presentada por uma amiga, e esperar o pedido ser realizado, também não custava nada.

Ao entrar para a faculdade, entrei naquela fase pseudo-intelectual, e tudo ficou confuso. A frase ridícula “Eu não acredito em Deus (observem o temor na caixa alta), talvez em uma força maior que rege o universo, na natureza, na visão holística (hum, que bonito!)”, era a minha justificativa em conversas. Hoje, com algumas responsabilidades a mais, sem aquele belo e fantasioso mundo azul que dá margem à fé e à crença no ser humano, tornei-me “realista”. Agora, a frase empregada é “acredito no poder de ação das pessoas, tudo é resultado do que fazemos ou deixamos de fazer”. E é aí que entra a minha nova fase: o chamado ateísmo não-praticante.

É difícil enquadrar-se neste segmento, apesar da maioria dos brasileiros, talvez sem saber, o praticam. Na hora do almoço, num dia fresco, descubro o resto de vinho, geladinho, na geladeira. Que tal tomá-lo agora, acompanhando da comida?. Afinal, os médicos dizem que um cálice diário faz bem à saúde. “Ah não, que coisa de bêbado. Olha aí, a garrafa não quer abrir. Vou pegar o pano de prato. Não tem jeito. Hum, isso é sinal”. Acreditem, eu consegui levar isso às questões religiosas.

O anjo e o diabinho em mim iniciam uma discussão filosófica totalmente inútil. (Meu berço católico estereotipa o anjo como crente, e o diabo, como ateu, é claro. Até por que ateus vão para o inferno, certo?)

- Larga a mão de ser idiota. Que sinal o quê. Abre logo essa garrafa e pára com essa neura e transtorno obesessivo compulsivo. Aliás, isso daí é superstição, você é uma cagona.

- Não é isso. Bom, mas se não tá abrindo, é melhor não tomar.

- Vai logo mulher, prova que você não possui crença nenhuma. O que você acha que pode acontecer ?

- Nada. Está bem, Deus não existe, destino não existe. Eu vou parar de ficar “O” temendo, se Deus quiser. Ops! (Juro que essa última expressão saiu dos meus lábios).

- Merda. Agora toma o vinho, vai. Depois dessa cagada de ateu não-praticante, é o mínimo que você pode fazer.

No dia seguinte, tenho um pesadelo com uma amiga que não falo há dois anos. Entro no msn, e converso com um conhecido, espírita, que segundo uma amiga, “não é profeta, apenas dá uns toques”. Ele começa com a frase: “Você está insatisfeita com algo?”. Para resumir a história, ele disse que eu tinha problemas não resolvidos com uma pessoa. “É família? Amigo?”. “Não é família, é alguém com que você não fala há uns dois anos”. “É uma amiga, né?”. “Essa mesmo”, ele responde.

Bem, eu nem perguntei se eu já estava imaginando uma pessoa específica na minha mente, mas tudo bem. Resolvo falar com ela, apesar de não saber quantos dados forneci ao garoto durante a conversa, para ele apenas apenas concordar afirmativamente, e eu me espantar. Posso ter sido levada a um caminho, dado brechas do tipo “ele é alto, cabelo hastafari, um olho azul e outro preto e tem uma cicatriz na cara?”, e a pessoa concordado. Mas após a conversa, resta a dúvida do que foi instigado e do que foi espontâneo.

Sempre observo conversas típicas brasileiras, realmente só devem acontecer aqui.

- Tô com umas zique-ziras.

- Toma uma banho de rosas, vou te ensinar o que aprendi lá na Umbanda.

- Eu ein.

- Que nada mulher, Candomblé é que não pode. Umbanda é espírita.

- Ah, tá. (Até hoje não entendi a diferença entre as duas).

- E essa medalhinha de Nossa Senhora? Você não disse que era ateu?

- A minha vó que me deu. Tenho que usar, tadinha dela. Fora que ela benzeu lá em Aparecida, não custa eu usar, né.

- Ah, tá. (Fim da segunda discussão).

(Saindo da missa)

- Ando com umas dores, e esses remédios não resolvem nada. Não sei mais o que faço, já rezei tanto.

- Vai lá no médico espírita, ele é tiro e queda.

- Mas se o padre souber ele não vai achar ruim?

- Que nada, espiritísmo é filosofia de vida, fazer o bem, fora que eu vou num centro kardecista, não são esses outros, não.

- Então vamos lá na quinta-feira ?

- Hum, quinta não dá. Já combinei de ir com a minha vizinha, a dona Tekiro, lá no Seicho-No-Ie.

- Ah, tá. (novamente).

Acredito que irei seguir com dúvidas pelo resto da vida, mas talvez me encontre em alguma religião, pois no fundo, apesar desse negócio de temer me incomodar, eu desejo ter fé para acalmar as questões da minha personalidade pós-moderna-perdida-totalmente. Só queria crer sem medo, aceditar mesmo, de forma totalmente natural. E acreditar no poder de ação das pessoas não é ter fé?. Só sei de uma coisa: os slogans da campanha ateísta são todos em caixa alta, GOD. Eles poderiam ter colocado a frase em caixa baixa obedecendo apenas as regras gramaticais, a primeira letra da frase em maiúscula. É respeito pelos religiosos ou é não dar margem ao tal temor?.

6 comentários:

Anônimo disse...

Legal a campanha. Mas não acredito nela.

Falando em acreditar, acredito muito que você ia tomar aquele vinho porque médico diz que faz bem. Aham.

Eu sempre me encuquei com espiritismo. Minha avó era espírita, nada contra, mas nunca conheci ninguém que já tinha sido outra pessoa. E quem diz que teve outra vida sempre fala de Napoleão, Joana D'Arc... ninguém diz que foi um escravo na Bahia, levando chicotada...

E a opção por ser ateu aumenta mais ainda quando aparece um desses seres querendo te converter. Parece que eu atraio esse tipo de pessoa.

Anônimo disse...

Se fosse pra criar uma teoria sobre você, eu diria que você crê em deus e nunca deixou de crer, mas desconfia das religiões, dos seus costumes, das regras, das soluções pré-pensadas. Se fosse pra te indicar qualquer religião pra você ir a fundo, acho que o budismo e o espiritismo seriam boas de alguma forma, porque nenhuma das duas exige fidelidade como o catolicismo e as religiões protestantes, e abrangem o conselho das outras. Então você aprende com as outras religiões e tem uma certa liberdade pra achar sua própria religiosidade.
(Aliás, você mesmo diz no texto que a crença diminui quando a crença no ser humano diminui — mas a fé nunca teve nada a ver com crença no ser humano...)
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A idéia de acreditar nas pessoas e no que fazemos não é uma coisa distante das religiões. "Somos as nossas ações e receberemos o resultado delas" é uma idéia religiosa. E as religiões pensam bastante em como vivemos a vida terrena, por isso os mormons dão muita atenção à família e tentam reconstruir a árvore genealógica das pessoas; por isso há a tentativa das igrejas de influir na política, entre outras ações que interferem na sociedade.
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A sua última frase parece um argumento muito inteligente, você põe duas opções que reforçam sua crença "é respeito pelos crentes ou é não dar margem ao temor", e, ora, pode ser nenhuma das duas, pode ser a razão óbvia de que chamadas em caixa alta chamam mais atenção do que chamadas em caixa baixa. E num livro recente de um dos ateístas citados na matéria, a palavra "god" é a menor de todas — como é que essa sua teoria se sustenta, então?

Guilherme Júnior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guilherme Júnior disse...

"Os macacos querem respostas, os macacos sabem que vão morrer, então os macacos fazem deuses e os adoram. Então os macacos começam a discutir quem fez o deus melhor, e os macacos ficam irritados e é quando geralmente os macacos decidem que é uma boa hora de começar a matar uns aos outros.
Então os macacos fazem guerra. Os macacos fazem bombas de hidrogênio, os macacos têm o planeta inteiro preparado para explodir, os macacos não sabem o que fazer.",


In: Dancem, macacos, dancem!

Raquel Gomes disse...

Mari... tem umas coisas que eu concordo... Sei como é difícil ser jovem e ter religião.
Mas como o Duanne disse, fé não tem nada a ver com religião.
Fé é o que você sente, é no que você acredita. Religião são dogmas, são regras e leis.
Na boa? Religão foi criada pelos homens, não pelos Deuses.
Se eles pudessem, desceriam à Terra e diriam: ô bando de imbecis! Esses livros aí foram escritos por mãos humanas e não existe uma série de regras a seguir. Apenas uma: não faça aos outros o que você não quer que façam a você.
Respeitar ao próximo é uma forma de ter fé... fé nas pessoas???
É... a gente acaba caindo sempre no mesmo lugar.
Ler sobre religiões e crenças ajuda a ter fé. Mas não a ter religião.
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Como eu não me identifico com nenhuma religião tida como normal, prefiro ficar no meu paganismo nada cristão, absorver os costumes ocidentais orientalizados e acreditar apenas naquilo que, de alguma forma, eu tenho alguma prova.

Boa sorte na sua busca por seu Deus.

Anônimo disse...

Mariana, chega de conflitos. Há pouco conheci uma palavra que resolve o nosso problema: seja agnóstica!!!! É o melhor refúgio!