quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O menino do ônibus

Sento-me na bancada dura e fria de concreto, à espera do ônibus com destino ao Litoral. Um garoto, aparentando seus 16, 17 anos, passa pela calçada da rodoviária, com o jeito e a expressão no olhar de quem é seguro de si e não deve nada à ninguém. Ginga levemente, e carrega nas costas uma mochila. Com as duas mãos segura uma necessaire de couro marrom – que se distingue dos demais objetos, como a descombinar com o restante do retrato.


Ao subir no ônibus, decido sentar no local correto, indicado no bilhete da passagem, pois parece que o veículo sairá cheio da rodoviária. Além disso, não quero arranjar confusões, já que da úlltima vez, um senhor – aparentemente indefeso e doce, acompanhado de sua senhora – quase que me deu um soco por estar sentada no seu assento. Como todo viajante antipático que se preza, rezo para que ninguém ocupe o banco ao meu lado, o da janela. Quando vejo, não estava com poderes espirituais eficientes: o garoto da bolsinha de couro olha para os números acima da minha cabeça, checa com os do bilhete, e faz menção de sentar ao meu lado.


Enquanto o motor esquenta, começo a observar disfarçadamente o rapaz. Ele se senta, coloca a mochila em frente às pernas, mexe-se para encontrar posição confortável, e, por fim, pousa a bolsinha marrom em cima das coxas, seguida pelas mãos. Veste um conjunto de moleton cinza, com algumas estampas, talvez ao estilo surfista. Brincos em uma das orelhas, relógio chamativo, corrente de prata no pescoço, e um boné de algodão, daquele tipo que se encaixa na cabeça, elástico, mas sem a parte superior – o que permite ver seus cabelos curtos, encaracolados, e com algumas luzes. Parece preocupar-se com a aparência. Lábios mais grossos que finos e olhos castanhos com um leve toque de mel, que combinam com a cor da pele – um bronzeado natural, acobreado, índio.


Noto que suas unhas, curtas, possuem uma leve sujeira. E as mãos continuam sobre a bolsinha marrom. Ela caberia perfeitamente na mochila. O que será que tem dentro dela?. Ele batuca as mãos, parece inquieto. Inicio por duas vezes uma conversa usual, talvez sobre o costumeiro tempo, que ele responde com monossílabas. De repente, um toque de mensagem de celular. Ele tira o celular do bolso, e parece responder a mensagem. Olha mais que o necessário, parece reler o conteúdo, e guarda o telefone. Durante os minutos seguintes continua numa regular comunicação pelo celular, que de tempo em tempo toca anunciando mensagens. Mexe no cabelo, movimenta-se no assento.


Em questão de segundos minha cabeça não deixa de criar estereótipos, e consequentemente, devaneia em suposições. Aquela bolsinha sempre enlaçada por mãos, os olhares atentos do garoto, sua constante comunicação – por mensagens – no celular, a idade, o jeito de se vestir, os traços físicos – que querendo ou não associo às classes mais pobres -, tudo parece enveredar por um caminho: que raios há dentro da bolsa-de-couro-marrom?.


Após vinte minutos as mensagens cessam, e resolvo tentar um cochilo. Meu companheiro de viajem também ajeita-se, encostando o rosto na janela, usando uma blusa de frio como almofada. Acordo, e olho no relógio – passou-se meia hora após ter adormecido. Espio para o lado, e vejo que ele ainda está dormindo – sem tirar as mãos da bolsinha. Após algum tempo, ele desperta, se espreguiça, e parece estar mais tranquilo. “A maior parte da viajem passou”, penso. Tento mais alguma investida e pergunto para ele se sabe em que ponto estamos – ou algo do tipo. O garoto responde, mas nada maior do que as monossílabas.


Algumas pessoas já começam a descer nas cidades vizinhas do Litoral. Um homem vem caminhando do fundo do ônibus, vestido com sua farda cinza, e uma pistola na cintura. Um policial militar, que após longo dia de trabalho, deve estar voltando para casa. Olho para o menino, e ele observa o policial. Após algunas instantes, a autoridade fecha a porta que separa o motorista dos passageiros, o ônibus pára, o militar agradece e desce. E se o policial desconfiasse de algo?.


Agora compreendo o porquê da bolsinha. Ela fica em mãos para poder ser jogada pela janela, caso ocorra algum imprevisto – na hora, não percebo que a janela não possui abertura, e que o carro é o da linha mais moderna da empresa. No fim das contas penso, “coitado, ele não tem culpa do que faz, é uma vítima da sociedade, deram um banho de loja nele e o colocaram...” – ouço um barulho que corta meu devaneio: é um ziper se abrindo. A minha vontade de olhar conflita-se com o medo, e com o orgulho de fingir que não me interesso pela vida alheia. Vejo de relance o ziper da bolsinha sendo fechado, mas não há mais tempo de descobrir o conteúdo. Viro o rosto para a frente, mas um barulho de papel me capta a atenção novamente. Pela primeira vez o menino toma a iniciativa: - Quer um?. O suculento bombom de chocolate, mordido, salta sobre meus olhos.

5 comentários:

Coração Melão disse...

Ow esta escrevendo bem heim
gostei muito do texto
vou vir aqui mais vezes
bjs
e se cuide

Coração Melão disse...

Ops é DREBA AI EM CIMA
:]

Anônimo disse...

Porra, mordido? Assim não dá!

Gostei muito, Mari, deu um suspense bacana no final, fora as descrições que tão ótimas.

Eduardo Henrique disse...

Mas, afinal, aceitou ou não o bombom? Risos.

Ótimo texto, muito bom mesmo.

Tenho que concordar com a Benalva e com o Cavalcanti, seu texto está muito maduro.

Grande abraço.

Leandro Olimpio disse...

Embora pareça contraditório, sinto orgulho e inveja desse seu texto maravilhoso. Fico feliz de saber que o jornalismo ainda possui seus héróis. E triste de saber que eu não sou um deles. Afinal, não saberia fazer uma descrição tão detalhada e envolvente como a sua.

Obs. É tudo mentira o que acabei de escrever. Queria ser apenas gentil....rs